Algumas coisas são tragédias anunciadas, e mesmo que alguém preveja que vai dar errado, avise, grite, xingue… não importa, acontece. Parece roteiro de filme de viagem no tempo.
O mesmo aconteceu com a cena da novela ‘Outro lado do paraíso’, da Rede Globo. A equipe e o reconhecido autor Walcyr Carrasco foram incumbidos de inserir o merchan do IBC, escola de coaching, e criaram o maior mico sobre o assunto visto até hoje. Em capítulos anteriores, alguns profissionais da área de desenvolvimento humano já previam que ia dar errado a trajetória da coach Adriana (Julia Dalavia).
Em tempos de Internet, a cena de menos de 3min repercutiu imediatamente nas redes e eu acompanhei diversas opiniões em grupos variados. Principalmente os psicólogos vêm mostrando a preocupação com o uso deturpado do coaching e a falsa ideia de que o coach é terapeuta.
Então temos o ponto principal e maior equívoco da cena. Uma atriz, que não mostra segurança como atriz, interpreta a personagem que fez formação de coaching, e nas suas falas atribui o papel do coaching à terapia. Qualquer profissional com formação para tal ou mesmo coaching, sabe que os papéis são distintos. Embora a gente saiba que existam centenas de terapias alternativas, não podemos perder de vista que existe um profissional capacitado e que naquele instante foi ignorado.
É irresponsável mostrar a milhões de pessoas que um coach com formação adversa seja competente para realizar terapia. Porém é bastante comum ver psicólogos/coaches ofertando ambos os serviços, o que fere a ética de escolas e empresas certificadoras de coaching.
E ainda há a banalização do coaching, feita pelas mesmas escolas. Isso é tão sério e grave a ponto de empresas como a Herbalife nomearem seus tutores de emagrecimento como “coaches do bem-estar”. Assim como acontece na consultoria, muitos profissionais generalistas migraram para o coaching para se reposicionar no mercado.
Neste mundo de partidos, times e polaridade, fica uma guerra de escola X que é responsável, ou que a profissão Y é melhor, deixando de lado o caráter da aculturação do papel da terapia e até mesmo do coaching. A novela perdeu a oportunidade de mostrar as possibilidades de um trabalho conjunto de um psicólogo e um coach, ou a impossibilidade de isso acontecer e seus porquês.
Num país que ainda crê que depressão é frescura, me preocupa ainda que ainda haja desinformação do papel do psicólogo e da psicoterapia numa sociedade cada vez mais triste e solitária.
Acredito que este deslize monumental da Rede Globo, do autor, da escola patrocinadora ou de todos eles juntos, possa servir de trampolim para refletirmos sobre como levarmos esclarecimento às pessoas que precisam de ajuda e a sua rede de apoio também.
Penso que há muito tempo gasto em fomentar o time A ou B e defender o “status quo”, e pouco tempo gasto no esclarecimento do papel e valores éticos envolvidos dos profissionais que auxiliam a saúde mental, e até mesmo do coach.
Te convido a refletir o peso de suas palavras. Será que a quantidade de lenha na fogueira que tem colocado é proporcional a informação que tem levado a quem precisa?